Umbanda é uma religião brasileira do século XX, formada a partir dos cultos africanos que foram sendo modificados pela influência do índio, pela influência católica, pela influência espírita e, por último pela influência do ocultismo europeu e da filosofia oriental.
1a Etapa – Africana (Regiões e cronologia da historia Africana)
A História Africana apresenta uma possibilidade de divisão para estudo em 6 grandes regiões que guardam em comum além dos aspectos geográficos, aspectos históricos e culturais. São unidades com características semelhantes, embora também abrangendo diversidade interna da região quantos aos povos e culturas, mas, quando comparadas ao conjunto africano apresentam distinções nítidas.
A região de história mais antiga e mais conhecida é a das civilizações do Rio Nilo, onde se destacam o Sudão e o Egito, ambos com história política e econômica com mais de 5000 anos e constituindo impérios semelhantes. Um exemplo das semelhanças é a construção de pirâmides que vão do alto ao baixo Nilo, em períodos diversos com diferentes magnitudes, representando uma forma cultural típica de região. Nesta região o Egito é bem mais conhecido, sendo que os Núbios, um dos povos do Sudão, tem apresentado surpresas esplendorosas aos arqueólogos nos últimos tempos. Destacam-se nesta região os Impérios de Kerma, Kushes, Napata e Meroes. Fixados em regiões próximas tem importância históricas os Reinos da Etiópia.
A costa africana do oceano indico constitui uma região de grande influência comercial, de trocas intensas com os países árabes e com a Ásia. Esta região se notabiliza por um conjunto de pequenos reinos e cidades estados que foram de grande esplendor arquitetônico e, devido à existência de uma língua comercial comum, o suarile, podemos denominar de região Suarile.
A terceira região importante no continente Africano é constituída pelo conjunto Zimbábue e África do Sul. Embora diferente da região Suarile litorânea seja uma zona de intenso contato com o litoral. Zimbábue, devido à importância e Antigüidade das ruínas e da extensão da civilização aí construída no passado, constitui pôr si só uma região de importância na história africana. Na mesma região do Zimbábue entre 1400 e 1800 surge o Reino do Monomotapa. Na África do Suiapenas, reinos relativamente recentes têm destaques históricos, sobretudo pelo processo de resistência às invasões européias, como é o caso dos Zulus.
O quarto conjunto está ao Sul do Rio Congo, numa extensa região entre o Atlântico e os lagos Vitória e Tanganica. De influência cultural Bantu se desenvolveu entre os séculos 14 e 15 um conjunto de Reinos onde se destacam o Congo, Lunda e Luba. As civilizações africanas de grande riqueza econômica e cultural formam um conjunto que geograficamente se estendem do Atlântico atravessando o sistema fluvial do rio Níger e cobrindo os afluentes do lago Chade.
Esta quinta região do Vale do Níger, assim como a do Vale do Nilo, constituem as regiões de maior importância histórica no continente devido aos longos períodos de continuidade histórica e a quantidade de conhecimentos que se tem sobre elas. Fazem parte da história da região às civilizações Nok, os Impérios de Gana, Malé e Songai.
A sexta região é de predominância de povos Berberes e se estende através do Deserto de Saara e bordas do Mediterrâneo. É, sobretudo, uma região marcada por invasões externas. A ligação entre estas diversas regiões e sua integração econômica pode ser trabalhada e compreendida a partir das rotas de caravanas milenares ou da história da expansão da tecnologia do ferro no continente africano. Tanto as caravanas comerciais como as rotas de expansão da tecnologia do ferro cobrem todo o território africano, indicando não apenas a presença de populações em estágios civilizatórios importantes em todo continente, como também, a existência de uma intensa integração econômica e cultural entre estes povos.
Abaixo, apresento uma possível cronologia dos principais fatos da história africana anterior à presença nociva e desastrosa do europeu naquele continente. Nesta cronologia, destaco o fato de que os europeus, através dos portugueses gastaram mais de um século para dominar algumas regiões na África e que a colonização européia levou mais de 300 anos para se consolidar. Este período é marcado pela resistência, vitórias e derrotas dos diversos estados africanos, em diversas frentes de combate contra as diferentes invasões européias. Estas dinâmicas de longa duração precisam ser compreendidas para não parecer que o predomínio europeu acontece num ato mágico e repentino, como geralmente e superficialmente é apresentado.
A cronologia da historia africana pode ter a seguinte composição:
Os cultos africanos, passo inicial da formação da Umbanda, foram extremamente influenciados pelos povos que dominaram a África desde 3100 AC. Os Egípcios, Indianos, Cartagineses, Romanos, Vândalos, Bizantinos, Árabes, Turcos, etc., deixaram “marcas” de sua influência nos chamados puros cultos africanos. Podemos exemplificar citando o turbante (origem indiana) e a figa (origem turca) como sinais lógicos da presença desses povos dominadores. Concluindo assim que a África, sendo berço de grandes civilizações, deixando como herança ao mundo sua rica cultura, sua religiosidade cultuando a natureza, tendo como suas divindades representadas nas próprias forças da natureza, cultuando assim os Deuses do Sol, da Lua, dos Ventos, do Fogo, da Água, do Mar, da Terra, das Matas, dos Raios e Trovões, etc. Sendo que estes mesmos Deuses eram cultuados através de oferendas, de ritos e danças, que são a essência da fé e religiosidade humana como forma de agradecimento. Lembrando que estes mesmos Deuses são os Orixás, que são divindades da natureza e a pura essência do Criador.
2a Etapa – Os índios, a colonização e a escravatura no Brasil.
Em 1500, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, o Brasil foi batizado com a fixação em terra da primeira cruz, seguida da reza da primeira missa, proferida, na ocasião, pelo frei Henrique de Coimbra, um franciscano.
Portanto, a religiosidade sempre esteve presente no processo de colonização dos portugueses. Os navegadores portugueses, além da beleza, encontraram também os homens gentios, assim denominados por Manuel da Nóbrega, que representava um dos quadros da Companhia de Jesus, fundada e 1534 por Inácio de Loyola. Era da incumbência de Nóbrega a missão no Brasil, além da educação dos filhos de colonos. Todas as atividades que a Companhia de Jesus realizava era para glória de Deus, um lema dos soldados de Cristo.
A primeira impressão deixada pelos nativos na visão dos viajantes era de que estes homens gentios não possuíam qualquer vínculo religioso, ou seja, não adoravam nenhum tipo de Deus, nenhuma santidade, ou até mesmo um ídolo. Voltaremos a tratar deste aspecto mais à frente. No entanto, não demoraria muito tempo para que este conceito elaborado pelos portugueses caíssem por terra.
A principal tarefa dos portugueses - inacianos no Brasil seria a de “organizar” os índios, trazê-los para a verdadeira fé cristã, para que assim, costumes como a poligamia, a antropofagia, o andar sem roupas, dentre outros, fossem extirpados. Havia unanimidade quanto ao entendimento, por parte dos jesuítas, que tal feito seria fácil, visto que, segundo Nóbrega, estes nativos não adoram nenhum Deus, dizia ele: “são como papel branco, onde podemos escrever à vontade”, eram os tupinambás.
Entretanto, não demorou muito para os padres se conscientizarem quanto às dificuldades que os aguardara, eles achavam que os índios eram governados sim, mas pelo demônio, seria, portanto, um trabalho árduo e, sobretudo, perigoso.
O fato é que os jesuítas não tinham muito tempo para o feito “missionário”, pois a colonização precisava de mão – de – obra. Em Pernambuco no ano de 1530 a colonização do açúcar já estava funcionando. Temos de um lado a resistência dos índios e do outro as ambições escravistas, na ocasião, para engenhos de açúcar. A verdade é que os índios ficaram entre os apresadores de escravos (mamelucos) e os padres jesuítas. Estes últimos diziam para os pajés que eles, padres, eram os verdadeiros pajés, diziam ainda que os índios não pudessem seguir os mamelucos, por outro lado, estes apresadores também instigaram os nativos para que não ouvissem os jesuítas.
Os índios ora ouviam os apresadores, ora os padres, mas em outras oportunidades não ouviam nem um nem outro, travando assim, uma guerra que terminava com rituais antropofágicos. Os colonizadores, ficaram impressionados com a descoberta de um dos rituais dos tupis, denominado santidade. Para os índios esta santidade era a constante procura da Terra sem Mal, um espaço sagrado, o tempo sagrado, que se renova eternamente, sem conhecimento de sua origem e fim.
Essas descrições estavam presentes pela santidade Jaguaribe (movimento que se desenvolveu no recôncavo baiano, conforme veremos), um tipo de idolatria indígena, minuciosamente estudada. Era um movimento religioso do século XVI. Esta santidade era um mito, que se posicionava contra a história, falaremos um pouco mais deste movimento daqui a pouco.
O que podemos ver é, na verdade, uma grande resistência, por parte dos nativos. Uma resistência antiescravista que era absorvida por esta santidade tupi.
Nóbrega conhecera o rito da santidade, logo percebeu o perigo desta dimensão dos nativos, descreveu em 1549 uma cerimônia denominada caraimonhaga, onde o pajé pregava a cultura tupi, revelando para seus seguidores o vindouro “paraíso tupi”, a Terra sem Mal. Nóbrega chamou este momento de santidade, tal fenômeno, para ele, era diabólico.
Reconhecendo as sérias dificuldades em “converter” os tupinambás ao cristianismo católico, os jesuítas decidiram substituir a língua sagrada (latim) para estabelecer os procedimentos cristãos por meio da língua tupi, ensinando-a com a ajuda de José de Anchieta que transmitiu aos noviços da Companhia.
Era a denominada “língua geral”, que abrigou praticamente todos os episódios da atividades cristãs daquele século. Os portugueses fizeram peças teatrais com referências bíblicas, onde então demonizavam os chefes e os costumes indígenas, mostrando para os nativos que o verdadeiro Deus esta com eles, nestas peças o “mal” era vencido pelo bem que estava ao lado do homem branco.
“O catolicismo ensinado e dramatizado em “língua geral” e com base em imagens e significados extraídos da cultura nativa podia ter lá sua eficácia, mormente com os curumins – as crianças que, pela tenra idade, estavam em condições melhores de aprendizado. Tal método trazia, porém, grandes riscos, sobretudo o risco de o catolicismo fosse assimilado à moda Tupi, canibalizado e devorado como no repasto cerimonial”.
A santidade contra a Igreja Católica e os Jesuítas.
Os que aderiam à santidade, aqui se inclui “negros” da terra (escravos), posicionavam-se contra os senhores e contra os brancos, questionando o Deus católico. O índio Silvestre foi um personagem nesta condição, e acabou açoitado e posto em grilhões pelo seu próprio senhor.
“Os índios zombavam dos padres e dos sacramentos por eles ministrados, alardeando que a verdadeira fé era a sua, assim como deus era o seu ídolo, e santos os seus caraíbas. Os adeptos da santidade ameaçavam os “nativos traidores” (índios) com as piores penas. O mito da Terra sem Mal, revela o maior inimigo do índio: o homem branco, os portugueses, o cativeiro, sua Igreja dos padres, a lei dos cristãos..., temos, portanto, um sentido anticolonialista, Algumas dimensões do catolicismo também fora absolvido pela santidade, dizendo, por exemplo, da semelhança havida entre a Terra sem Mal e o paraíso celestial cristão”.
“A igreja dos índios – diziam – era a verdadeira santidade para ir ao céu, porque a dos cristãos era falsa e não merecia que nela se acreditasse”. O fato é que praticamente todo o litoral brasileiro passou a conhecer este termo santidade, e também seu significado. A busca da Terra sem Mal significava uma “guerra” contra os portugueses, contra a escravidão, etc. A mais importante santidade ocorreu no recôncavo baiano, liderada por Antônio, nome de batismo, ancestral dos tupinambás. Esse líder de Jaguaribe foi um dos exemplos práticos dos perigos da tradução feita pelos jesuítas do catolicismo para língua e o imaginário Tupi. Antônio entoava cerimônias de batismo, nomeava papas, bailes tribais, orações, sua companheira era chamada de Maria Mãe de Deus, estava, portanto, feita a fusão católica e indígena.
Em suma, a história demonstra as aproximações da Terra sem Mal dos tupis com as alusões jesuíticas, os portugueses católicos que conseguiram enganar os “homens gentios” dizendo sobre a terra prometida (Jerusalém), quando na verdade, esta terra fora travestida nas fazendas de escravos.
A perseguição do Santo Oficio de Lisboa contra Jaguaribe (idolatrias indígenas) e o Acotundá (idolatrias negras). O Santo Oficio tinha muito a fazer, “teria de enfrentar não apenas interpretações heterodoxas do divino, mas múltiplos santos pelo avesso”. A rigorosidade do Santo Oficio, em suas visitações realizadas na “Bahia de todos os santos”, apresentou-se menos intensificada com relação aos negros, de acordo com relatos do Acotundá, tal comportamento, deve-se principalmente com relação à escravidão que não podia, de forma alguma, sofrer um enfraquecimento.
Escravos a caminho do Brasil
Companhia das Índias Ocidentais, esta era a detentora do tráfico de negros para o Brasil. As condições do transporte de escravos advindos da África para o nordeste brasileiro não eram diferentes as já reveladas neste expediente. O mau alojamento, a falta de espaço suficiente para se moverem, o descuido pelos mais banais princípios de higiene eram comuns nos navios flamengos usados no tráfico. Em tempo, podemos dizer que o assunto é mais grave, pois sabemos que depois deste triste e sofrido episódio das longas viagens que estes tristes nativos tinham de enfrentar, havia ainda o árduo cotidiano do trabalho escravo já em terra firme. Os escravos eram açoitados constantemente.
Ouro, marfim, escravos, tudo junto sendo carregado numa mesma embarcação. As cargas abusivas eram "justificadas" de várias maneiras, como podemos ver:
"Ora sucedia o atraso dos navios na viagem até aos poros africanos, enquanto os negros aguardavam os embarques nos mesmos durante semanas; ora se pretendia reparar os eventuais prejuízos dobrando o número de "peças"; ora os acontecimentos das Índias e Brasil demandavam a urgente suplementação de escravos."
Em 1645 a carência de "peças" era evidente na América. Navios chegavam a carregar mais de 1000 numa só viagem. Em alguns casos a mortandade atingia 50%.
A questão do transporte de escravos certamente não deixa dúvidas de que ocorrera de maneira deplorável. As condições eram alteradas de acordo com a ambição de mercadores, de contratadores, acompanhado pela busca do lucro imediato e constante destes mesmos mercadores, contratadores, enfim, de todos os traficantes. Pois o tráfico negreiro foi acima de tudo, um negócio extremamente lucrativo. Isto ilustra melhor a ganância de querer enviar, carregar o maior numero de "peças" numa única embarcação.
Sendo assim com a desordenada escravatura no Brasil, Houve uma relevante mistura de povos de diversas nações africanas, tanto nos navios negreiros como em terra firme, onde os escravos eram comercializados com os senhores de engenho, onde num mesmo cativeiro ou senzala eram acomodados estes mesmos negros vindos de diversas partes da África. Contudo também houve uma mistura de concepções religiosas. Como fatores marcantes dessa etapa, podemos citar:
ü Misturas de cultos de Angola, Congo, Bantos, Nagô, Kêto, Male, etc.
ü Falta de mestres de culto entre os escravos.
ü Conhecimento apenas parcial dos rituais e iniciações.
ü Fugas e formação de quilombos.
ü Formação das bandas (grupamentos de negros e índios que rezavam na mesma cartilha).
ü A falta de apetrechos rituais africanos, o que obrigou a assimilação dos apetrechos rituais dos índios, e utilização da sabedoria indígena no que concerne à magia do sertão e à utilização de ervas medicinais brasileiras.
ü Imposição do catolicismo pelo colonizador português, o que ocasionou o sincretismo dos Orixás com os Santos da igreja católica.
“Dessas duas etapas a Umbanda herdou, o culto aos Orixás, a utilização do atabaque como instrumento ritual, o uso de plantas e ervas medicinais brasileiras, e os principais fundamentos dos cultos umbandistas”.
3a Etapa – Influência espírita de 1888 em diante
Allan Kardec ou Hippolyte Leon Denizard Rivail nasceu em Lyon na França, em 3 de outubro de 1804, e desencarnou em 1869. Antes de se dedicar à codificação do espiritismo, exerceu, durante 30 anos, a missão de educador. Foi discípulo de Pestalozzi, tendo publicado diversas obras didáticas.
A partir de 1855 começou a estudar os fenômenos das manifestações dos espíritos que se revelavam pelas mesas girantes, grande atração publica da época na França. Em 1858, fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Revista Espírita, lançando na pratica o Espiritismo, não apenas em Paris, mas em toda a França, alcançando a Europa inteira e todo o mundo, incluindo a América Latina.
O espiritismo chegou ao Brasil por volta de 1873 e contribuiu, na formação da religião umbandista, com sua influência doutrinária e explicativa dos fenômenos mediúnicos, do karma, da reencarnação, do conceito de espírito-guia e da evangelização da religião através do livro “O Evangelho segundo o espiritismo” de Allan Kardec.
4a Etapa – Ocultismo e Filosofia oriental
O ocultismo chegou ao Brasil em 1930 e, entre outras contribuições, levou a Umbanda a utilização da vibração dos metais, das pedras preciosas e semipreciosas, e da numerologia.
Finalmente temos a influência da filosofia oriental no que diz respeito à aura, aos chacras, às imantações e no reforço dos conceitos do karma e reencarnação que já tinham sido adotados através do espiritismo. A influência oriental é quase um retorno às origens, uma vez que as grandes religiões modernas têm sua origem no oriente, principalmente no Egito, no Tibet e na Índia, berços do profundo conhecimento religioso e filosófico oriental. Fecha-se o círculo e surge a Umbanda, produto de concepções religiosas de muitos povos e nações, orientada dos planos espirituais superiores, que visa o bem estar físico, mental e espiritual dos seus filhos e daqueles que a procuram.
DEFINIÇÃO
A Umbanda é, portanto, o produto de uma evolução religiosa. Suas origens encontram-se nas filosofias orientais, fonte inicial de todos os cultos do mundo civilizado. E a sua implantação em nossa terra, deu-se com a fusão das práticas, dos conceitos e das crenças dos negros, dos brancos e dos índios.
Toda essa complexa mistura, que o leigo chama de baixo espiritismo, “macumba” e magia negra, era a situação existente, quando surgiu um vigoroso movimento de luz, ordenado dos planos espirituais superiores, feito pelos espíritos que se apresentavam como caboclos, preto-velhos, e crianças. O termo Umbanda, que eles implantaram no meio para servir de bandeira a essa poderosa corrente, é um termo sagrado que significa, num sentido mais profundo, o conjunto das leis de Deus. Ou seja, Umbanda, é uma palavra de origem sânscrita, que se pode traduzir por “Deus ao nosso lado” ou “O lado de Deus”.
ÉPOCA EM QUE SE FUNDOU A UMBANDA NO NOSSO PAÍS
Em fins de 1908, uma família tradicional de Neves, Rio de Janeiro, foi surpreendida por uma ocorrência que tomou aspecto sobrenatural. O jovem Zélio Fernandino de Morais, que fora acometido de uma estranha paralisia, que os médicos não conseguiam debelar de forma alguma, certo dia ergueu-se do leito e declarou: “Amanhã estarei curado”. No dia seguinte, levantou-se normalmente e começou a andar, como se nada, antes, lhe tivesse tolhido os movimentos. Contava apenas 17 anos e destinava-se a carreira militar da marinha. A medicina não soube explicar o que tinha ocorrido. Os tios que eram padres católicos foram colhidos de surpresa e nada esclareceram sobre a misteriosa ocorrência. Um amigo da família sugeriu, então, uma visita à federação espírita de Niterói, presidida por José de Souza, na época.
No dia 15 de novembro de 1908, o jovem Zélio foi convidado a participar de uma sessão, e o dirigente dos trabalhos determinou que ele ocupasse um lugar à mesa. Tomado por uma força estranha e superior a sua vontade, contrariando as normas que impediam o afastamento de qualquer dos componentes da mesa, o jovem Zélio levantou-se e disse: “Aqui está faltando uma flor”, e retirou-se da sala. Pouco depois, voltou trazendo uma rosa, que depositou no centro da mesa. Essa atitude insólita causou quase um tumulto.
Restabelecida a corrente, manifestaram-se espíritos que se diziam de pretos escravos e de índios ou caboclos, em diversos médiuns. Esses espíritos foram convidados a se retirar pelo presidente dos trabalhos, advertidos do seu estado de atraso espiritual.
Foi então que o jovem Zélio foi novamente dominado por uma força estranha, que fez com que ele falasse sem saber o que dizia. (De acordo com depoimento do próprio Zélio à revista seleções de Umbanda, em 1975).
Zélio ouvia apenas a própria voz perguntar o motivo que levava os dirigentes dos trabalhos a não aceitar a comunicação daqueles espíritos e por que eram considerados atrasados – se apenas pela diferença de cor ou de classe social que revelaram ter sido na última encarnação.
Seguiu-se um dialogo acalorado e os responsáveis pela mesa procuravam doutrinar e afastar o espírito desconhecido, que estaria incorporado me Zélio e desenvolvia uma argumentação segura.
Um dos médiuns videntes perguntou, afinal: “Por que o irmão fala nesses termos pretendendo que essa mesa aceite a manifestação de espíritos que pelo grau de cultura que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? E qual é o seu nome, Irmão?”. Respondeu Zélio, ainda tomado pela força misteriosa: “Se julgam atrasados esses espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei na casa desse aparelho (o médium Zélio) para dar inicio a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados ou desencarnados. E, se quiserem saber o meu nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados pra mim”. “Julga o irmão que alguém irá assistir ao seu culto?”, perguntou com ironia o médium vidente; ao que o Caboclo das Sete Encruzilhadas respondeu: “Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei”.
Zélio de Morais contou que no dia seguinte, 16 de novembro, ocorreu o seguinte: “Minha família estava apavorada. Eu mesmo não sabia o que se passava comigo. Surpreendia-me haver dialogado com aqueles austeros senhores de cabeça branca, em volta da mesa onde se praticava para mim um trabalho desconhecido. Como poderia, aos 17 anos, organizar um culto? No entanto eu mesmo falara, sem saber o que dizia e porque dizia. Era uma sensação estranha, uma força superior que me impelia a fazer e a dizer o que nem sequer passava pelo meu pensamento”.
“E no dia seguinte, em casa de minha família, na rua Floriano Peixoto, 30, em Neves, ao se aproximar da hora marcada – 20 horas – já se reuniam os membros da Federação Espírita, seguramente para comprovar a veracidade do que fora declarado na véspera. Os parentes mais chegados, amigos, vizinhos e, do lado de fora, grande número de desconhecidos”.
Às 20 horas, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Declarou que iniciava, naquele momento, um novo culto em que os espíritos de velhos africanos, que haviam servido como escravos e que, desencarnados, não encontravam campo de ação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase exclusivamente para trabalhos de feitiçaria, e os índios nativos da nossa terra poderiam trabalhar em beneficio dos seus irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social. A pratica da caridade, no sentido do amor fraterno, seria a característica desse culto, que teria por base o evangelho de Cristo e, como mestre supremo, Jesus.
Deu, também, o nome do movimento que se iniciava; disse primeiro Allabanda (ou um dos presentes assim anotou), mas, considerando que não soava bem sua vibratória, substituiu-o por Aumbanda, ou seja, Umbanda, palavra de origem sânscrita, que pode traduzir por “Deus ao nosso lado”.
Muito provavelmente ficou o nome Umbanda, e não Aumbanda, porque alguém anotou a palavra separadamente (a umbanda). Sobre o assunto diz Ramatis, no livro “A missão do espiritismo”: “A palavra AUM é de alta significação espiritual, consagrada pelos mestres; BANDHÃ, em sua expressão mística iniciativa, significa movimento incessante, força centrípeta emanada pelo Criador. A palavra AUMBANDHÃ pronunciada na forma de um mantra aproxima-se melhor da sonorização OMBANDA, sendo ajustada à doutrina de UMBANDA, praticada no Brasil”.
Voltemos ao relato de Zélio: “A casa de trabalhos espirituais, que no momento se fundava, recebeu o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como Maria acolheu seu filho nos braços, também seriam acolhidos, como filhos, todos os que necessitassem de ajuda e de conforto”.
“Ditadas às bases do culto, o caboclo à parte pratica dos trabalhos, curando enfermos. Antes do final da sessão, manifestou-se um preto-velho, Pai Antonio, que Vinha completar as curas”.
Nos dias seguintes; verdadeira romaria se formou na casa de Zélio. Enfermos que vinham em busca de cura e ali a encontravam, em nome de Jesus. Médiuns, cujas manifestações haviam sido consideradas como loucura, deixaram sanatórios e deram provas de suas excelentes qualidades mediúnicas. Estava criada a Umbanda no Brasil.
Em 1935 estavam fundados os sete templos idealizados pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, coroando de êxito o que nos parece ter sido um dos movimentos, entre outros semelhantes e não registrados, mais importantes da criação da Umbanda no Brasil.
Zélio desencarnou em outubro de 1975, aos 84 anos de idade. De seu trabalho resultou a Umbanda de hoje, que abrange cerca de 30 milhões de adeptos, segundo estimativas apresentadas no 2o Festival Mundial de Artes Negras, realizado em lagos, na Nigéria, pelo professor René Ribeiro, da Universidade Federal de Pernambuco, que demonstrou que a Umbanda era a religião que mais crescia no Brasil. O professor Ribeiro baseou-se em dados do IBGE.